RICHARD STRAUSS [1864-1949]
Don Juan, Op.20 [1888-9]
17 MIN
HECTOR BERLIOZ [1803-69]
A Morte de Cleópatra [1829]
ESTÁ FEITO
AH! COMO ESTÃO DISTANTES AQUELES DIAS, TORMENTO DA MINHA MEMÓRIA
MEDITAÇÃO: GRANDES FARAÓS, NOBRES LÁGIDAS
NÃO! NÃO, DE VOSSAS FÚNEBRES MORADAS DEUSES DO NILO
22 MIN
/INTERVALO
CLAUDE DEBUSSY [1862-1918]
Clair de Lune [1890-5]
(ORQUESTRAÇÃO DE ANDRÉ CAPLET, <1925)
5 MIN
HECTOR BERLIOZ [1803-69]
A Cativa, Op.12 [1833–revisão de 1849]
7 MIN
MAURICE RAVEL [1875-1937]
Daphnis et Chloé: Suíte nº 2 [1912]
ALVORECER
PANTOMIMA
DANÇA GERAL
18 MIN
STRAUSS
Don Juan, Op.20
Todos sabemos como a passagem dos anos muda a nossa percepção sobre o mundo. O caso de Richard Strauss é típico: enquanto para nós, do século XXI, Strauss simboliza o último dos compositores românticos, para muitos de seus contemporâneos ele representava o primeiro dos compositores da modernidade. Sua música está fincada na de seus antecessores ilustres, como Brahms e principalmente Mozart, mas já é impregnada das novas sonoridades de Wagner, Liszt e Berlioz.
Don Juan foi escrita quando Strauss tinha apenas 24 anos e foi seu primeiro sucesso. Baseada em poema de Nikolaus Lenau [1802-50], mostra um Don Juan bem diferente do cínico amoral pintado por Mozart: esse é um homem cansado da busca vã pela perfeição feminina. Desalentado, ele se deixa vencer em duelo e é mortalmente atingido pelo adversário.
O virtuosismo instrumental é uma metáfora perfeita para as habilidades e peripécias de D. Juan; a trompa é a voz do sedutor, sendo reservada ao oboé e ao violino a representação da voz feminina. O poema sinfônico alterna momentos de vigor viril e de enlevo amoroso, com melancólica reflexão e até mesmo resignação diante da morte.
BERLIOZ
A Morte de Cleópatra
Berlioz tinha 26 anos quando compôs a cantata A Morte de Cleópatra, como um dos requisitos para o famoso Prix de Rome, a distinção musical mais importante de sua época na França. Era a terceira tentativa de sua parte e, no entanto, estava destinada ao fracasso. O júri considerou a obra perturbadora demais, nova demais. Seria apenas no ano seguinte, com A Morte de Sardanapale, que Berlioz viria a conquistar o prêmio, que incluía uma longa estadia na Itália, período que foi fundamental para lhe moldar a carreira e a vida.
O compositor acabaria por destruir sua obra vencedora, que fora composta apenas para agradar os juízes e ele considerava convencional. Todavia, Cleópatra mantém até hoje o viço e a força de caracterização que tanto chocaram os membros do júri em 1829. O texto, obrigatório, era um poema de Pierre-Ange Vieillard [1778-1862], em que Cleópatra opta por se deixar picar por uma cobra para não ser subjugada e humilhada pelos inimigos. A composição de Berlioz, que ousou desafiar os cânones vigentes, espelha o gesto da rainha: ele sabia que a obra seria rejeitada, mas, ainda assim, se recusou a cumprir requisitos dos quais discordava. Depois de ouvir o conselho de um dos juízes, que lhe recomendou que escrevesse música “mais suave”, Berlioz observou, em carta a um amigo: “Se temos que escrever música para confeiteiros e costureiras, por que é que eles nos dão um texto que envolve as paixões da Rainha do Egito e suas solenes meditações diante da morte?”
Em Cleópatra, recitativo e ária se entrelaçam: depois de uma introdução orquestral, a rainha lamenta sua captura por Octaviano, que não se deixa seduzir por ela; no segundo recitativo relevante, Cleópatra se culpa pela derrota e admite que o suicídio é a única opção que lhe resta. O último recitativo retrata o próprio momento da morte e termina silenciosa e tristemente.
DEBUSSY
Clair de Lune
Os pintores impressionistas não se interessavam em reproduzir a sólida realidade das coisas, mas sim a maneira pela qual o olho as capturava, com jogos de luz que desfocavam a imagem. Ravel e Debussy se afastaram da linguagem dos grandes sinfonistas alemães e procuraram um estilo francês que refletisse sua própria cultura. A música chamada de "impressionista", sem rejeitar a tonalidade, esfumaça os centros tonais e utiliza escalas inusuais, recriando atmosferas e cores em uma escrita orgânica e fluida.
Clair de Lune, baseada em um poema de Paul Verlaine, é a obra pianística mais conhecida de Debussy. Terceiro — e mais lírico — movimento da Suite Bergamasque, foi orquestrada por vários compositores, dentre os quais seu amigo André Caplet. Sua versão (vencedora do Prix de Rome de 1901) põe em relevo a luminosidade da música de Debussy, explorando timbres com a mesma habilidade de seu colega, um feito considerável. O tema passa de mão em mão entre os naipes da orquestra, com o cuidado que teriam ao manipular uma estatueta de cristal. As harmonias exóticas e complexas delineadas por Debussy mantêm todo o seu sabor e intensidade. A popularidade desse arranjo atesta o talento de Caplet, ele mesmo compositor de muito mérito.
BERLIOZ
A Cativa, Op.12
Depois de vencer o cobiçado Prix de Rome, e enquanto usufruía da estadia na Itália a que tinha direito, Berlioz escreveu a inúmeros amigos reclamando da formação dos compositores locais e da ignorância geral do público. Ainda assim, esse período lhe rendeu algumas obras que fizeram furor, entre as quais a sedutora A Cativa, inicialmente concebida como canção com acompanhamento de piano. Posteriormente, o compositor viria a adicionar um cello e, finalmente, compor várias versões orquestrais da peça. No poema de Victor Hugo [1802-1885], uma moça aprisionada lamenta docemente suas circunstâncias atuais e expõe a saudade que sente do passado e de sua terra natal. Exotismos orientalizantes são recriados através de referências musicais à Espanha, com o ritmo de bolero estabelecendo um clima sensual e evocativo. Forma, influência latina, e mesmo figuras rítmicas são mais citações vagas do que literais, o que colabora para a sensação de instabilidade e velada ameaça que perpassa tanto o poema quanto a música.
RAVEL
Daphnis et Chloé: Suíte nº 2
O período anterior a guerras é frequentemente propício a certo escapismo por parte dos artistas. Vivendo em época de presságios sombrios e com a sensação iminente de fim dos tempos, eles procuram em sua arte nos transportar para mundos distantes e exóticos, lugares de fartura e encantamento. É o caso do balé encomendado por Diaghilev a Ravel, Daphnis et Chloé, que seria coreografado por Fokine, com cenários e figurinos de Leon Bakst. Foi estrelado por Nijinsky, firmando sua reputação como dançarino de etérea elegância e instigante sensualidade.
A história, baseada em poema grego do século II, relata as aventuras de dois pastores que se valem da arte para conquistar o amor e a sobrevivência. Daphnis conquista um beijo de Chloé em um concurso de dança; Chloé é raptada por piratas, que a obrigam a dançar para seu chefe, Bryaxis. Ao final, os amantes conseguem se reunir graças à interferência do deus Pan.
O balé é dividido em três partes, que se passam em cenários distintos. A primeira apresenta as danças dos pastores no ambiente idílico que os circunda e termina no sequestro de Chloé pelos piratas. A segunda se passa no antro dos piratas, dos quais ela tenta fugir em vão. Pan interfere. A terceira parte mostra os amantes reunidos.
Ravel escreve para um coro e uma orquestra portentosos, mas se preocupa mais em deles extrair timbres especiais do que em criar volume tonitruante; ele usa a variegada paleta das madeiras para solos e os metais nas cenas de danças coletivas, com cordas, às vezes divididas, aumentando ainda mais as possibilidades harmônicas e dando leveza à textura do todo. Apesar de perfeitamente adequada à ação do balé, Daphnis et Chloé se tornou uma das obras-chave da música moderna, adquirindo vida própria como peça de concerto.
LAURA RÓNAI é doutora em Música, responsável pela cadeira
de flauta transversal na UNIRIO e professora no programa de Pós-Graduação
em Música. É também diretora da Orquestra Barroca da UNIRIO.
Leia o ensaio "Richard Strauss: Sinfonia Alpina", de Malcolm Macdonald, aqui.