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ENSAIOS
"Não Quero me Repetir"
Autor:Entrevista de Jörg Widmann a Gabriela de Souza
09/ago/2022
O músico alemão Jörg Widmann.

Versátil, intrigante, aclamado, fascinante: são alguns dos adjetivos atribuídos ao clarinetista, regente e compositor alemão Jörg Widmann, cujas peças, em 2018, estiveram dentre as mais executadas no mundo e, em 2019-20, foram a atração de toda a temporada do Carnegie Hall. Vencedor de vários prêmios importantes ao longo de sua trajetória como clarinetista e compositor, regente requisitado internacionalmente, o compositor visitante Jörg Widmann também se apresenta na Sala São Paulo nesta Temporada de 2022 como regente da Osesp, como solista de uma de suas peças para clarinete e como participante especial de um programa do Quarteto Osesp.

 

O Segundo Concerto para Violino foi escrito para sua irmã. Como surgiu a ideia e como você descreve essa obra?

 

Era um sonho antigo escrever um verdadeiro concerto para violino para minha irmã. Eu já havia escrito estudos para violino solo para ela. Tudo o que sei sobre instrumentos de cordas aprendi com muitas outras pessoas, mas foi com ela que aprendi primeiro, pois quando éramos crianças sempre podia perguntar tudo para ela. “O que acontece se você virar o violino de ponta-cabeça? E se fizer isso ou aquilo com cem por cento de pressão?” Juntos, de fato desenvolvemos novos sons nos Estudos para Violino Solo, sons que acreditamos que nem mesmo existiam antes, alguns deles. Pois experimentamos juntos.

 

Depois de ter escrito o Primeiro Concerto para Violino (estreado por Christian Tetzlaff) e de receber a encomenda da Suntory Hall de Tóquio, no Japão, para compor uma nova peça, pensei: chegou a hora. Nós a desenvolvemos juntos, ela é dedicada à minha irmã e estamos muito felizes de tocá-la com a Osesp.

Jörg Widmann: “Conversei com minha irmã [a violinista Carolin Widmann] ao telefone pouco antes da nossa conversa, e estamos muito ansiosos com a perspectiva de tocar em São Paulo”.

 

A Osesp irá tocá-la em 2022 — quantas vezes você regeu essa peça?

 

Até agora, eu regi apenas a estreia no Japão, no Suntory Hall — e foi inesquecível. O público japonês nos acolheu e acolheu a peça de forma emocionante.

 

Minha irmã já esteve aí e eu também, em outras ocasiões. Adoramos essa Sala, adoramos a cidade! Significa muito para nós podermos tocar juntos, acho que pela primeira vez desde a estreia. E em 2023 também vamos tocá-la com a Filarmônica de Berlim. Estarei na regência do concerto todo, com minha música e a de Mendelssohn, e ela tocará os solos.

 

Seu terceiro quarteto se baseia no tema da caça, tal como a Sinfonia nº 73, de Haydn, o Quarteto de Cordas nº 17, de Mozart, a Sonata para Piano, de Beethoven, a Cantata da Caça, de Bach, e assim por diante. Há alguma relação entre eles?

 

Não podemos nos esquecer de uma peça que não é conhecida como música de caça, mas tem o ritmo decisivo da caça, a Sinfonia nº 7, de Beethoven — todo o primeiro movimento. Portanto, essa também foi uma grande fonte de inspiração.

 

Por que compus quartetos de cordas, afinal? Ao escrever o primeiro quarteto, fiz uma escolha decisiva. Pois, para um jovem compositor, a tradição, em especial dos quartetos de cordas, começando com Haydn, mas também com Mozart, Beethoven, e a tradição francesa, com Ravel, Debussy, e a russa, com Shostakovich; Bartók; Schoenberg, a Segunda Escola de Viena... Você fica intimidado! A História da Música normalmente é fonte de inspiração para mim, mas no gênero quarteto de cordas hesitei por muito tempo. Só quando iniciei o segundo quarteto é que ficou claro que não havia esgotado esse gênero e que devia escrever um ciclo. Levei anos para dar continuidade a um segundo ciclo. Agora, acabei de concluir o número 10! Como você pode ver, fiquei viciado nesse gênero!

 

Mas a ideia principal no primeiro ciclo era ter cinco quartetos, como se cada um fosse um movimento de um megaquarteto. O que significa que o primeiro seria a introdução; o segundo, um movimento muito lento; o terceiro — o quarteto da caça — seria o scherzo; o quarto, um andante; e, no quinto, incluí uma soprano, que tira da Bíblia, do "Eclesiastes", o texto de Salomão.

 

Desde Haydn, o scherzo tinha um quê de humor na música. Mas a partir de Beethoven, passou a ser muito mais do que isso. Não eram meramente peças cômicas, que entretêm e fazem rir. O scherzo adquiriu algo quase diabólico. E se observarmos a música do século XX, por exemplo, pensando em Shostakovich ou Mahler — o scherzo da Sinfonia nº 6 de Mahler —, são quase peças de suicídio!

 

É música sobre música, scherzo sobre scherzo, mas o scherzo se volta contra aquele que o escreveu, entende? É o que chamo de caráter suicida desses scherzi. Assim, meu quarteto da caça é também uma reflexão a respeito desse gênero. É uma peça cômica, sim, mas se encerra com a morte do violoncelista. É muito dramática e, ao final, as pessoas riem, e devem rir! É um riso que fica preso na garganta.

 

Eu estava interessado em como quatro caçadores, que iniciam a caça em tom positivo, passam a ser caçados no meio do caminho. Tudo se volta contra eles e, então, três deles se voltam contra um. E, no final, o clima não é mais saudável. Começa em Lá Maior, um som saudável. No fim, o ritmo vira um esqueleto, só sobram os ossos sem pele. O que me interessou foi essa transformação.

 

Fiquei impressionada com a sua conexão com Schumann. Vocês dois concluíram a composição de um ciclo de quartetos de cordas com a mesma idade. Foi proposital ou coincidência? Pode nos contar um pouco mais sobre essa ligação?

 

Quando garoto, tive um excelente professor argentino de clarinete. Comecei a tocar clarinete aos 7 anos de idade e tive o privilégio de poder trabalhar com esse professor desde os 8 anos. Era um músico maravilhoso! Regia, tocava flautas antigas do século XVI, tocava clarinete, regia Così Fan Tutte! [de Mozart]. E tocamos juntos, ele ao piano. Talvez eu fosse jovem demais para tocar clarinete, mas tocamos as Fantasiestücke [Peças de Fantasia], de Schumann, e a Sonata de Mendelssohn, que quase ninguém conhece. E eu me apaixonei por esses dois compositores! Por essa música febril!

 

Tenho várias peças que são tributos a Schumann. Até escrevi uma chamada Fever Fantasy [Fantasia Febril], pois acho que a escrita melódica de Schumann se assemelha a curvas febris, como aqueles gráficos de hospital, sabe? [Jörg Widmann cantarola.] Adoro Schumann! Adoro tocar Schumann, adoro reger sua música. A Sinfonia nº 2 é uma das minhas peças favoritas de todas! Na minha próxima ida ao Brasil, também deveria tocar Schumann [risos].

 

Agora sobre a Fantasia. Você se inspirou nas Três Peças para Clarinete Solo, de Stravinsky, e em Dialogue de l’Ombre Double, de Pierre Boulez, além da imagem do arlequim. Como essas três coisas se conectam?

 

A Fantasia não quer ser mais do que ela é. É a obra de um jovem de 19 anos que toca clarinete e é uma declaração de amor ao clarinete em seis minutos. Nesses seis minutos, coloquei tudo o que, aos 19 anos, adorava no clarinete. É claro que qualquer peça para clarinete só passou a existir depois das Três Peças para Clarinete Solo, de Stravinsky. Então, me inspirei nela.

 

Mas também me inspirei em Carl Maria von Weber, no virtuosismo de Weber, que tanto amava o clarinete. Já conhecia Boulez, mas naquela época ainda não sabia quão importante a nossa parceria pessoal ainda viria a se tornar. Queria algo como uma peça de commedia dell’arte — diferentes personagens conversando, concordando, discordando, falando ao mesmo tempo, não sendo educados, não escutando uns aos outros, e assim por diante.

 

A maioria das peças daquele tempo eu abandonei, não existe ou não quero mais que seja tocada em público. Mas dessa obra ainda gosto e ela ainda é um desafio para mim como clarinetista. Embora já a tenha tocado centenas de vezes, ela tem um significado para mim e, acredite, é sempre um desafio. Quero muito tocá-la em São Paulo.

 

Pierre Boulez Saal, Barenboim-Said Akademie, em Berlim.

Você sente diferença entre tocar a Fantasia aos 19, 20 anos de idade e hoje (além da maturidade artística)? Existe algum tipo de nostalgia ou reflexão?

 

É muito diferente, pois, em geral, mesmo ao compor e ao reger, ou no modo como toco clarinete, não quero me repetir e não quero ficar entediado. Subo no palco e procuro criar naquele instante. E é sempre um desafio. Seria interessante ouvir uma gravação daquela época, talvez não gostasse nem um pouco, talvez gostasse, não sei. Tenho certeza de que em São Paulo vou tocar de maneira diferente do que toquei um ano antes.

 

A pandemia foi (ainda é) uma catástrofe mundial. Como foi esse período para você? Como afetou o seu trabalho?

 

Há pessoas realmente necessitadas que já eram vulneráveis antes da pandemia. São elas as necessitadas, não nós. Realmente, quero colocar isso em primeiro lugar. Pois posso dizer que sofri [com a pandemia] por essa ou aquela razão, mas é bom lembrar deste contexto.

 

Mesmo antes da pandemia, por vezes eu rezava para conseguir ter quatro ou cinco semanas seguidas para compor. E, finalmente, durante o lockdown, tive esse tempo! E sabe o quê? Não consegui compor.

 

Em junho de 2020, recebi um telefonema de Daniel Barenboim. Ele então me disse: “Jörg, o que você acha de compor uma peça para a Pierre Boulez Saal vazia? E podemos tocar juntos. Não dá para ter plateia, mas vamos fazer um projeto juntos. Você consegue compor uma peça para nós?”. E eu disse: “Sinto muitíssimo, mas no momento não consigo sequer me imaginar compondo uma peça!”. Mas ele [Barenboim] sabe ser bem persuasivo. Insistiu: “Bom, pense a respeito, Jörg”. E foi o que fiz. Escrevi Empty Space [Espaço Vazio] para cinco instrumentos e tocamos juntos na Boulez Saal vazia como projeto de streaming. A partir daí, consegui voltar a trabalhar.

 

Meu novo concerto para trompete acabou de ser executado pela Orquestra Gewandhaus Leipzig e pela Sinfônica de Boston. Escrevi ao longo da pandemia. Batizei a peça de Towards Paradise [Rumo ao Paraíso]. É uma peça muito visionária, positiva, mas também triste, sobre a solidão que vivemos durante esse período.

 

Quais os projetos que você gostaria de realizar agora?

 

Amanhã, sigo para a Irlanda, para a minha Orquestra de Câmara Irlandesa. Estou muito ansioso, pois não vejo a Orquestra há um ano e meio! Vamos executar as três últimas Sinfonias [nº 39, 40 e 41] de Mozart em três cidades da Irlanda e será a primeira vez na vida que vou realizar esse projeto específico, minhas adoradas últimas sinfonias de Mozart! Estudar as partituras recentemente foi um grande prazer.

 

Vou escrever novas peças, claro; um dia, quem sabe, uma nova ópera.

 

A Covid não vai desaparecer de um dia para o outro. Na Alemanha, o próximo lockdown deve entrar em vigor logo. Muitas instituições, muitos músicos já tiveram que desistir. Só posso desejar que essa crise não prejudique demais a nossa cultura.

 

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Entrevista a Gabriela de Souza, Assessora Artística da Fundação Osesp.

 

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Tradução e transcrição: Katri Lehto.

 

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Jörg Widmann nasceu em 1973, em Munique, Alemanha. Estudou clarinete com Gerd Starke na Hochschule für Musik und Theater, em Munique, e com Charles Neidich na Juilliard School, em Nova York. Em seguida, continuou a formação na Hochschule für Musik, em Karlsruhe. É professor de clarinete e composição na Barenboim-Said Akademie desde 2017.

 

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LISTA SELETA DE OBRAS

 

Insel der Sirenen [Ilha das Sereias] (1997) — para violino solo e dezenove instrumentos de cordas

 

String Quartets Cycle [Ciclo de Quarteto de Cordas] (1-5)

     Quarteto nº 1 (1997)

     Quarteto nº 2Choralquartett [Quarteto com Coral] (2003, rev. 2006)

     Quarteto nº 3Jagdquartett [Quarteto da Caça] (2003)

     Quarteto nº 4 (2004-05) Versuch über die Fuge [Tentativa de Fuga] com soprano (2005)

 

Labyrinth Cycle [Ciclo dos Labirintos] (Trilogia) — para orquestra

     Labyrinth (2005)

     Zweites Labyrinth [Segundo Labirinto] (2006)

     Drittes Labyrinth [Terceiro Labirinto] (2013-14)

 

Armonica (2006-07) — concerto para orquestra

 

Con Brio [Com Vigor] (2008) — abertura sinfônica Homenagem a Beethoven, uma das peças orquestrais mais populares de Widmann, já foi dirigida por mais de 60 regentes desde sua estreia.

 

Babylon [Babilônia] (2011-12, rev. 2018) — ópera em sete atos Libreto: Peter Sloterdjik

 

Arche [Arca] (2016) — oratório para solistas, coro, órgão e orquestrava

 

Quinteto para Clarinete (2017)

 

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GRAVAÇÕES RECOMENDADAS

 

Violin Concerto, Antiphon, Insel Der Sirenen

Swedish Radio Symphony Orchestra

Daniel Harding regente

Christian Tetzlaff violino

Ondine, 2013

 

Viola Concerto, Duets, Jagdquartett

Signum Quartet, Marc Bouchkov, Bruno Philippe Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks

Daniel Harding regente

Antoine Tamestit viola

Harmonia Mundi, 2018

 

Elegie, Messe, Fünf Bruchstücke

Deutsche Radio Philharmonie

Christoph Poppen regente

Jörg Widmann clarinete

Heinz Holliger piano

ECM, 2011

 

Con Brio

Widmann, Strauss, Beethoven Irish Chamber Orchestra

Jörg Widmann clarinete e regente

Alpha Classics, 2021

 

Arche

Oratorio for Soloists, Choir, Organ and Orchestra

Philharmonisches Staatsorchester Hamburg

Kent Nagano regente

ECM Records, 2018