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ENSAIOS
Em busca de uma linguagem
Autor:Entrevista de Jimmy López a Gabriela de Souza
24/mar/2022

Um dos compositores jovens mais promissores do mundo, vencedor de inúmeros prêmios, o peruano Jimmy López passou por duas crises estéticas até começar a encontrar seu estilo e identidade musicais. Ephemerae, concerto para piano e orquestra inspirado em notas de fragrâncias, terá estreia latino-americana na Sala São Paulo.

 

Pode contar um pouco sobre você, como começou na música?
O interesse ficou sério aos 12 ou 13 anos. O professor de música da escola mostrou uma peça de Bach para duas vozes e fiquei intrigado com a complexidade do contraponto, da harmonia. Aos 16 anos, fui assistente do arquivo musical da [recém-fundada] Orquestra Filarmônica de Lima, regida pelo maestro Miguel Harth-Bedoya. Tive aulas particulares de música com Enrique Iturriaga e José Carlos Campos. Estudei no Conservatório Nacional. A certa altura, um crítico peruano de música voltou da Finlândia com muitas gravações e partituras. Fiquei fascinado e resolvi entrar na Academia Sibelius [escola da Uniarts Helsinki]. Depois de sete anos na Finlândia (2000-07), decidi prosseguir com os estudos nos Estados Unidos, com Edward Campbell, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, e comecei o doutorado. Com o apoio de Miguel [Harth-Bedoya] e de outros regentes, minha música passou a ser executada por vários grupos, nos Estados Unidos e fora. Berkeley é minha base, mas estou em constante movimento, viajando.

 

Quais compositores o inspiraram nesse processo? E quais suas influências para compor, no universo da música de concerto ou fora dele?

Bach realmente me acompanhou no início, despertou em mim a curiosidade pela música, pelo contraponto, pela polifonia, pela harmonia. A partir dali, conheci, quase em ordem cronológica, Mozart, Beethoven e, por volta dos 16 anos, Stravinsky.

 

Na Finlândia, a orquestra era meu meio preferido de expressão. Minha dissertação de mestrado foi sobre Krzysztof Penderecki [1933-2020, maestro e compositor polonês, que foi Visitante da Osesp em 2017]. Não posso deixar de citar finlandeses como Magnus Lindberg [1958, pianista e compositor, também Visitante da Osesp em 2013], que demonstram domínio de orquestração e estrutura, nem Debussy, porque admiro suas orquestrações e a escola impressionista, a francesa especialmente. Sibelius ["Escolha do Maestro" desta Temporada da Osesp] foi uma grande influência, principalmente pela forma, construção, arquitetura, pela maneira como ele constrói o clímax prolongado em peças como Lemminkäinen, por exemplo, ou a Segunda Sinfonia. Outro compositor que me interessou foi Gérard Grisey (francês, 1946-98), da escola Spectral,¹ à qual também pertenceram Tristan Murail (1947) e Michaël Levinas (1949). Minha música não se parece com a de Grisey, mas sua obra Les Espaces Acoustiques [Os Espaços Acústicos] — que demorou cerca de dez anos para ser escrita, porque ele passou um tempo estudando a natureza do som — me fascinou.

 

Depois da Academia Sibelius, tive outra crise estética. Precisei entender qual era meu lugar como compositor latino-americano na Europa. Muitos me perguntavam o que eu estava fazendo ou propondo de diferente, de único, sendo peruano. Apenas depois desses questionamentos e da crise de identidade passei a consumir música peruana.

 

 
 

Instrumentos de sopro pré-hispânicos     usados no poema sinfônico América Salvaje: [América Selvagem] ocarina e pututo.

Você levou um pouco de cada lugar — Lima, Helsinque, Califórnia — para suas composições? Qual é a influência do Peru no seu processo de composição?

 

O afastamento foi, na verdade, uma motivação para investigar com mais profundidade a cultura peruana. Como compositor do século XXI, vivendo em um mundo globalizado, é natural ter o ouvido mais aberto a todos os tipos de influência. Como compositor da América Latina, notei que os europeus conhecem pouco o que fazemos, inclusive os nomes mais famosos, como Villa-Lobos, Ginastera, Chávez e Revueltas. Eu queria construir minha identidade a partir de uma procura interna séria e profunda para encontrar o que era meu de fato. O momento chegou quando escrevi o poema sinfônico América Salvaje [América Selvagem] (2006) para a inauguração do novo prédio da Biblioteca Nacional do Peru, em 2006. Ele se passa em uma época em que os instrumentos que conhecemos dentro de uma orquestra sinfônica não existiam ainda, e a solução foi usar instrumentos [de sopro] pré-hispânicos. Houve uma necessidade intrínseca da obra, mas, ao mesmo tempo, também me liberou da pressão de sempre ter que usar ou compor música peruana como parte do meu estilo. A música peruana se tornou uma ferramenta a mais, que faz parte do meu estilo, mas não se resume a ela.

 

Porém, é bem difícil ter uma identidade diversa. Fiesta! (2007), por exemplo, se tornou muito popular. Começou a fazer parte de apresentações nos Estados Unidos no âmbito das celebrações do Hispanic Heritage Month (15 de setembro-15 de outubro) — época em que se festeja e honra a tradição latino-americana. Fui definido como compositor latino-americano e a obra era executada nesse contexto e com essa identidade. Também tive que aprender a transitar entre a expectativa dos outros e a liberdade de compor.

 

No panorama da música contemporânea hoje, onde você diria que se situa?

É difícil para um compositor conseguir se posicionar. Mas faço parte do grupo de compositores expostos a várias culturas. Um tipo de compositor mais global, com forte conexão com suas raízes, formação acadêmica eurocêntrica e, ao mesmo tempo, facilidade de acesso às instituições americanas. Há esse tríptico que considero minha identidade como artista, e isso me mantém circulando em diferentes ciclos, com diferentes formas de pensar, que estimulam a criatividade.

 

Tento usar minha voz, quando é oportuno, para falar de temas sociais importantes, como no oratório Dreamers [Sonhadores] (2018),² sobre o sistema de imigração dos Estados Unidos. A ópera Bel Canto [Belo Canto] (2015) foi inspirada no livro de uma autora americana [Ann Patchett], que aborda um incidente no Peru com o embaixador japonês em Lima.³ É um tema de ressonância política, mas a obra corre o risco de ser mal interpretada por se basear em um fato tão recente, que ainda causa emoções fortes em pessoas com diferentes pontos de vista.

 

Se o compositor tem uma rede bem fundada, é importante usar o espaço para dar voz a causas que impactam a sociedade. Por outro lado, não me considero um compositor ativista. Ephemerae [Efêmero], que vamos apresentar com a Osesp, por exemplo, é inspirada em fragrâncias.

 

Por falar nisso, vai ser a estreia latino-americana de Ephemerae, com o pianista espanhol Javier  Perianes  e o regente inglês Alexander Shelley. Você pode contar um pouco sobre o processo de composição da obra?

 

Escrever concertos é fascinante, porque eles nascem do contato entre o compositor e o solista. Esse concerto foi inspirado em Javier. Escutei-o muito, tentei entender o que o torna único como pianista e explorar ao máximo [essa característica]. Raramente encontramos o pianista que adentra o profundo e imenso mundo do piano buscando alcançar pianíssimos densos e intensos, mostrar o que está oculto sob o virtuosismo. Quando Javier pega uma estrutura polifônica, é possível entender como ele consegue desenhar e delinear, com muitos detalhes, cada camada daquela obra. Isso me impressionou tanto que fiquei extremamente inspirado para escrever o segundo movimento; foi a partir dele que comecei a escrever. Depois, veio a ideia das fragrâncias.

 

Cada um dos três movimentos é inspirado em uma família olfativa. O título do concerto para piano e orquestra é Ephemerae principalmente para caracterizar as fragrâncias efêmeras. O primeiro movimento, “Bloom” [Florescimento], tem muita energia, evoca o aroma da primavera, fresco, ágil. O segundo, “Primal Forest” [Floresta Primordial], explora as cores mais escuras, as diferentes camadas [da obra] sobre as quais comentei em relação a Javier. E o último, “Spice Bazaar” [Bazar de Especiarias], expõe as espécies mais sedutoras. É um movimento no qual até reconheço algo do Bolero de Ravel, porque tem um moto perpetuo no início, principalmente na parte de tímpanos, quando o piano desenvolve as melodias e os acordes; depois, vem a segunda parte, que volta ao que acontecia nos movimentos anteriores. A cadência ocorre nesse último movimento. A obra tem cerca de 30 minutos e mostra as várias formas de sonoridade do piano. Adoro escrever para piano porque é meu instrumento e eu o conheço muito bem. E trabalhar com Javier só facilitou o processo de criação. Confesso que estou muito curioso para saber como a Osesp vai interpretar essa obra.

 

Quais são seus projetos atuais (obras novas) e seus planos para o futuro?

Meu desejo é continuar escrevendo óperas e sinfonias. Acabei de escrever a Terceira Sinfonia. É uma forma muito bonita de expressão, porque, como Mahler dizia, é como se fosse um universo contido em si mesmo. Mas gostaria de escrever mais óperas e oratórios. Nessas formas, a comunicação com o público é mais direta, e com a possibilidade de abordar temas atuais.

 

Atualmente, estou trabalhando em diversas encomendas para orquestras, mas gostaria de ter tempo de escrever para piano solo — meu instrumento original. Espero poder me dar ao luxo, daqui a 10 anos, de escrever mais para piano e também música de câmara.


Estou começando uma parceria com a Harrison Parrott, uma das maiores agências do mundo, sediada em Londres. Temos muitos planos para o futuro. Hoje em dia, posso escolher os projetos de que vou participar. Tenho, por exemplo, uma obra para saxofone, contrabaixo e acordeão, outra para koto [instrumento de cordas tradicional japonês] e oboé. Quero continuar
a escrever obras que façam sentido para mim e que me inspirem.

 

Jimmy López recebe os aplausos do público após a estreia mundial de sua Sinfonia nº 2 — Ad Astra [Aos Astros], com a Sinfônica de Houston, sob regência de Andrés Orozco-Estrada, em dezembro de 2019, no Jones Hall.

 

Como você compara o panorama atual da música clássica com o de sua época de estudante?

Nos últimos 20 anos, houve um avanço na oferta de atividades culturais na América Latina. Vejo também uma integração entre nações e instituições culturais, como, por exemplo, a criação da Ópera Latinoamérica [OLA]. É muito interessante ver a quantidade de compositores latino-americanos se formando e fazendo carreira no exterior. São vozes que expandem a nossa cultura. Acho que há mais oportunidades e espaços para artistas do nosso continente.

 

 

A pandemia nos deixou muito mais expostos [do que a crise de 2008]. Nos Estados Unidos, existe a cultura da filantropia, ou seja, o governo não participa da sustentabilidade do setor. Muitas instituições não sobreviveram, como a New York City Opera, a Orquestra do Havaí, orquestras regionais. Por outro lado, estamos buscando novos meios de chegar ao público e de fomentar as atividades artísticas, como as redes sociais. É um momento decisivo e de transição. Acho que as instituições que vão sobreviver são as que souberem se adaptar melhor, as mais flexíveis. A tecnologia está ajudando, mas temos que criar uma nova base de pessoas que consomem música sinfônica.

 

E de onde veio o português fluente?

Fui casado com um brasileiro (carioca) por 10 anos e tinha muitos amigos brasileiros também. Para quem morou na Finlândia e fala espanhol, aprender português é mais fácil [risos]. Procuro ainda ler em português. Aprender uma nova língua faz você entender também a forma de pensar e a musicalidade das pessoas.

 

 

¹ Movimento estético que trabalha com a propriedade acústica e com a dimensão interna da sonoridade, em contraposição à música serialista predominante na época. Surgiu na França, por volta dos anos 1970, e se firmou como uma das principais correntes na música francesa, tendo como expoentes os compositores mencionados por López.

² Oratório para Orquestra, Coro e Voz Soprano, coencomendada por Cal Perfomances, University Musical Society, Stanford Live & Washington Performing Arts. Foi composta por Jimmy López com libreto do dramaturgo cubano-americano Nilo Cruz.
³ A Crise dos Reféns em Lima (1996-97), como o incidente ficou conhecido, se refere aos 126 dias em que um grupo de pessoas presentes na embaixada do Japão em Lima para a celebração do aniversário do imperador Akihito foi feito refém por guerrilheiros do Movimento Revolucionário Tupac Amaru.

 

Entrevista a Gabriela de Souza, Assessora Artística da Fundação Osesp.

 

_______________________

 

Jimmy López nasceu em Lima, Peru, em 1978. Começou a estudar piano por volta dos 12 anos. Trabalhou na Orquestra Filarmônica de Lima em 1994, já no final do ensino médio, aos 16 anos. Entrou para o Conservatório Nacional de Música aos 20 anos e, depois de dois anos e meio, foi para a Finlândia, onde cursou o bacharelado e o mestrado na Academia Sibelius da Uniarts Helsinki. Sete anos depois, partiu da Finlândia rumo aos Estados Unidos para fazer o doutorado na Universidade da California em Berkeley, onde mora desde então.

 

LISTA SELETA DE OBRAS

América Salvaje [América Selvagem] (2006) — poema sinfônico
“Nessa composição, incorporei pela primeira vez instrumentos do Peru. Representa um marco na minha linguagem musical.”


Fiesta! [Festa!] (2007) — quatro danças populares para orquestra
“É a peça mais popular até hoje, com mais de cem apresentações ao redor do mundo. Ajudou a divulgar meu nome por muitos lugares e abriu muitas portas.”


Incubus II [Íncubo] (2008) — para sax alto, sax barítono, piano e percussão

“Vencedora do maior prêmio da cidade alemã de Darmstadt, o Kranichsteiner Musikpreis.”


Perú Negro (2012) — para orquestra
“Essa obra é também muito interpretada, tanto pelo regente peruano Miguel Harth-Bedoya quanto pelo jovem maestro finlandês Klaus Mäkelä.”

 

Sinfonia nº 1: los Trabajos de Persiles y Sigismunda [os Trabalhos de Persiles e Sigismunda] (2016)

“É a primeira — espero — de muitas sinfonias. Foi escrita para comemorar os 400 anos da morte de Cervantes.”


Bel Canto [Belo Canto] (2017) — ópera “Foi a encomenda de perfil mais alto que já recebi, feita pela Lyric Opera of Chicago, por iniciativa de Renée Fleming, e transmitida pela PBS Great Performances. O libreto é de Nilo Cruz.”

 

Dreamers [Sonhadores] (2018) — oratório para soprano, coro misto e orquestra
“Também com libreto de Nilo Cruz, aborda a questão da crise migratória nos Estados Unidos.”

 

GRAVAÇÕES RECOMENDADAS

 

Symphonic Canvas

Fort Worth Symphony Orchestra
Miguel Harth-Bedoya regente
MSR Classics, 2019

 

Perú Negro, Synesthésie, Lord of the air, América Salvaje 
The Norwegian Radio Orchestra
Miguel Harth-Bedoya
regente
Jesús Castro-Balbi cello
Harmonia Mundi, 2015

 

Donaueschinger Musiktage 2009, Vol.1

Beat Furrer, Jimmy López, Salvatore Sciarrino
SWR Sinfonieorchester Baden-Baden und Freiburg
Beat Furre
 regente
NEOS, 2011

 

Musuq Peru
kohoBeat Orchestra
Lima String Quartet
Leo McFall
regente
Javier Arrebola piano
Harmonika, 2008