HEITOR VILLA-LOBOS [1887-1959]
Sinfonia nº 6 - Sobre a Linha das Montanhas: 2º Movimento (Lento) [1944]
12 MIN
ANTONÍN DVOŘÁK [1841-1904]
Sinfonia nº 6 em Ré Maior, Op.60 [1880]
- ALLEGRO NON TANTO
- ADAGIO
- SCHERZO (FURIANT): PRESTO
- FINALE: ALLEGRO CON SPIRITO
41 MIN
Heitor Villa-Lobos
Sinfonia nº 6 Sobre a Linha das Montanhas: 2º Movimento (lento)
Heitor Villa-Lobos é tido, por consenso, como o principal compositor nacionalista a surgir na América Latina. Nos dias de hoje, suas obras mais bem conhecidas ainda são aquelas em que a voz nacional fala de maneira mais vibrante, sobretudo as grandes séries dos Choros e das Bachianas Brasileiras. Essa percepção, contudo, é um tanto distorcida, uma vez que deixa imensa porção de sua obra na sombra, notadamente suas doze sinfonias (ou melhor, onze, já que a Quinta se perdeu), obras das quais ele claramente se orgulhava.
O esforço de Villa-Lobos para estabelecer uma voz distintamente brasileira é apenas parte de seu projeto estético. Ele tinha consciência da carga histórica de um argumento sinfônico, como deixou claro em uma palestra proferida em 1958: “[Uma sinfonia] é uma música pela música. Música superior, música intelectual, não é para ser assobiada por todo mundo. [Uma] sinfonia... se alguém tenta empregar efeitos especiais, de tipo exótico, folclórico ou algo parecido, nem acho correto chamá-la de sinfonia”.
Suas quatro primeiras sinfonias foram compostas antes de 1920, e as sinfonias de números 6 a 12 foram escritas depois de 1944. O hiato de 24 anos pertenceu a obras ostensivamente nacionalistas e experimentais, explorando formas pouco ortodoxas. A Sinfonia no 6 — “Sobre a Linha das Montanhas” (1944) inaugura seu estilo sinfônico maduro e em parte deriva de seu trabalho educacional. “Milimetrização” foi o processo que ele inventou para obter uma melodia a partir de uma imagem. Num papel quadriculado transparente, ele destinava as linhas verticais para as alturas e as horizontais para as durações; a transparência era sobreposta a uma foto, cujos pontos principais determinavam o contorno melódico. Um educador gabaritado podia então harmonizar a melodia frequentemente insólita assim obtida; o processo era pensado como forma de estímulo à criatividade das crianças. Villa-Lobos só utilizou esse método duas vezes em composição de músicade concerto; na peça para piano New York Skyline Melody (1939) e nessa sinfonia. Posteriormente, um procedimento análogo seria por vezes adotado por compositores como Messiaen e Cage.
Os vários temas dessa sinfonia foram aparentemente extraídos de gráficos feitos a partir de fotos da Serra dos Órgãos, do Corcovado e do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, mas as imagens em questão nunca vieram a público. A estátua art déco do Cristo Redentor só foi colocada no topo do Corcovado em 1931, e é de se perguntar se ela não determinou o perfil de qualquer um dos temas. São de fato alguns dos mais angulosos em sua produção, e constituem um paradoxo para um compositor que manifestou desdém por “músicas de papel, que nascem no papel e que morrem no papel”. [...]
[2011]
Excerto de texto do encarte do CD “VILLA-LOBOS: Sinfonia no 6 — ´Sobre a Linha das Montanhas´; Sinfonia no 7” (2011), da coleção de 6 CDs com a integral das sinfonias de Villa-Lobos gravadas pela Osesp sob regência de Isaac Karabtchevsky.
FÁBIO ZANON
É violonista, professor da Royal Academy of Music de Londres
e autor de Villa-Lobos (Coleção “Folha Explica”, Publifolha, 2009).
Desde 2013, é coordenador artístico-pedagógico
do Festival de Inverno de Campos do Jordão.
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Antonín Dvořák
Sinfonia nº 6 em Ré Maior, Op.60
[...]
Escrita em 1800 em tempo recorde — menos de dois meses! — para a Orquestra Filarmônica de Viena, por encomenda de seu maestro Hans Richter, um dos grandes apoiadores de Dvořák, ela foi menosprezada pelos músicos da orquestra, que não viam por quê repetir em sua programação um nome que ainda estava se firmando e de quem já haviam tocado uma peça no ano anterior. Havia também uma dose de xenofobia nessa rejeição. No século XIX Viena era o centro mundial da sinfonia, e fazer sucesso na capital austríaca era o passaporte para a fama no meio musical. Mas os vienenses não estavam dispostos a abrir assim tão rapidamente seus corações e ouvidos para os talentos do exterior. A Sinfonia nº 6 acabaria sendo estreada em Praga, já decorrido um ano de sua composição, e Richter só a regeria em Londres, dois anos mais tarde. Sem querer dar o braço a torcer, a Filarmônica de Viena viria a tocar a peça pela primeira vez 38 anos após a morte do compositor. Apesar de ter começado sua trajetória com uma reprovação, a sinfonia logo foi abraçada por colegas, críticos e plateias, e cedo foi reconhecida como obra sólida e bela, pavimentando o caminho para a fama internacional de Dvořák.
O sucesso estrondoso da Sinfonia do Novo Mundo, de 1893, de certa maneira eclipsou um pouco a fortuna da Sinfonia nº 6, porém nela já se evidenciam a maturidade do compositor e seu amplo domínio da forma, sem falar na riqueza da invenção melódica e na perfeição da orquestração. Inspirada na Sinfonia nº 2 de Brahms (cuja voz é relembrada principalmente nos 2 movimentos externos), carrega também traços da Pastoral de Beethoven (no Adágio). Ao mesmo tempo é obra que demonstra claramente a verve e o estilo próprios de Dvořák. Em seus quatro movimentos estão elencados temas que são de um lirismo evidente, que no entanto jamais resvala no sentimentalismo; contrastes bem urdidos entre instrumentações camerísticas e a exuberância do som orquestral inteiramente desfraldado (como no movimento Furiant, baseado em uma dança tcheca); melodias extrovertidas e ingênuas sobrepostas a harmonias muito intensas; uma coerência temática que costura toda a escrita; e principalmente a genialidade do compositor ao usar as particularidades da música folclórica da Bohemia e da Morávia refletidas em um idioma universal, que efetivamente consegue integrar a sua aldeia ao vasto mundo ocidental.
Trecho extraído da nota de programa dos concertos sinfônicos da Osesp dos dias 21 a 23 de março de 2019.
LAURA RÓNAI
É doutora em Música, responsável pela cadeira
de flauta transversal na unirio e professora no
programa de pós-graduação em Música. É também
diretora da Orquestra Barroca da UNIRIO.