LUDWIG VAN BEETHOVEN [1770-1827]
Sinfonia nº 9 em Ré Menor, Op.125 - Coral [1817-24] /AS NOVE SINFONIAS
ALLEGRO MA NON TROPPO, UN POCO MODERATO
MOLTO VIVACE
ADAGIO MOLTO CANTABILE
FINALE
65 MIN
BEETHOVEN
Sinfonia nº 9 em Ré Menor, Op.125 - Coral
/AS NOVE SINFONIAS
Um dos compositores que mais fortemente influenciaram a música dos séculos futuros, Beethoven foi responsável pela transição entre o classicismo e o romantismo. Sua obra nunca deixou de ser tocada e admirada. Aclamado em vida, foi endeusado pelos compositores que o seguiram, adquirindo o status de gênio de que goza até hoje, aliás, muito justamente. Seus quartetos para cordas são universalmente tidos como o ápice da música de câmara; não há orquestra no mundo que possa se permitir a ignorar o nome de Beethoven na programação de repertório, e uma das grandes medidas de julgamento de qualquer maestro é como interpreta suas obras.
Quando Beethoven começou a composição de sua nona e última sinfonia, a terceira, Eroica, constava como a mais longa sinfonia até então. Vinte anos haviam transcorrido entre elas, anos esses repletos de sucessos e fracassos, desilusões e alegrias (menos numerosas, lamentavelmente). Entretanto elas guardam semelhanças que vão além da longa duração: a temática é a do elogio do heroísmo, da fraternidade universal, das aspirações mais elevadas. Em ambas é abordado o ideal de dignidade humana. A Sinfonia nº 9 é mais monumental do que a Eroica, e desenvolve ao máximo sua declaração de fé. Seu apelo popular continua imbatível até hoje. Afinal, todos sonhamos com um mundo mais digno, mais justo, mais pacífico e feliz. Esse desejo tão humano é traduzido por Beethoven em música de impacto imediato e beleza fulgurante.
Se pensarmos na Sinfonia nº 9 como música de programa, podemos imaginar que o primeiro movimento representa a humanidade em sua condição mais miserável. Wagner definiu este “Allegro ma non tropo”, como “o tormento da alma lutando pela felicidade contra o poder hostil que tenta nos impedir de consegui-la”; o segundo movimento, uma espécie de scherzo em forma-sonata, retrataria a procura do homem pelo contentamento e pela paz: o trio, em que a melodia se sobrepõe à harmonia, introduz um doce clima campestre e termina como um calmo hino litúrgico. O terceiro movimento poderia ser visto como o homem se voltando a Deus e buscando na religião o consolo às aflições; o final rememora o passado, com suas angústias e medos, finalmente apaziguando todos os temores e oferecendo resposta a todas as dúvidas existenciais.
É praxe que o segundo movimento de sinfonias tenha andamento lento. Aqui, ao contrário, o andamento lento é deslocado para o terceiro movimento, o que, por contraste, dá a ambos uma força ainda maior. Porém, a mais importante peculiaridade da Sinfonia nº 9 é que no movimento final ela acrescenta ao corpo instrumental o brilho de solistas vocais e coro. Não foi uma decisão que agradou a todos. As pessoas tendem a rejeitar mudanças muito bruscas nas formas musicais às quais estão habituadas. Além disso, a adição de vozes tornava a execução da sinfonia mais complicada e dispendiosa. Beethoven recebeu inúmeras sugestões para escrever um final alternativo, sem vozes. Mesmo compositores calejados consideraram o movimento final um problema a ser resolvido. Verdi, por exemplo, adorava os três primeiros movimentos, mas detestava o último. A posteridade discordou: talvez justamente pelo grande efeito que causa a junção de coro e orquestra, a Sinfonia nº 9 é hoje a obra mais apreciada de Beethoven.
Como texto, o compositor usou a Ode à Alegria (1786) de Friedrich Schiller, que o havia impressionado imensamente e que pretendia musicar de alguma maneira, desde que era um jovem de pouco mais de vinte anos. A esta altura, já havia musicado linhas da ode no "Finale" de Fidelio, sua única ópera. Para a sinfonia, Beethoven não seguiu o ritmo do poema, com alternância simples de estrofes, mas escolheu os versos que lhe pareceram mais importantes, arranjando-os na sua própria ordem e dividindo-os entre os solistas vocais e o coro. Curiosamente, neste movimento que é a própria medula da Sinfonia nº 9, ao invés de usar uma das formas corais mais corriqueiras, ele decidiu escrever uma grande estrutura de tema com variações, uma forma eminentemente instrumental, já usada no final da Sinfonia nº 3. Começa com três variações instrumentais e uma coda, convidando a todos para uma dança comunitária contagiante, e finalmente eleva a música aos céus.
Eu vos abraço, ó multidões,
que este beijo chegue ao mundo inteiro!
Irmãos, além do firmamento
Reside um pai bondoso, não há dúvida.
Já pressentes o criador, ó mundo?
Procura-o além do firmamento!
Ele reside além das estrelas,
não há dúvida!
As notas se acumulam e se abraçam, em um apelo a toda a humanidade para se unir na bondade e no amor, e festejar a generosidade da Natureza. A união de vozes e instrumentos em uma única massa sonora simboliza, da maneira mais direta, a união de povos e almas.
LAURA RÓNAI é doutora em Música, responsável pela cadeira de
flauta transversal na UNIRIO e professora no programa de Pós-Graduação em Música.
É também diretora da Orquestra Barroca da UNIRIO.
ODE AN DIE FREUDE
TEXTO DE FRIEDRICH VON SCHILLER
O Freunde, nicht diese Töne!
Sondern laßt uns angenehmere
anstimmen, und freudenvollere!
(LUDWIG VAN BEETHOVEN)
Freude, schöner Götterfunken,
Tochter aus Elysium,
Wir betreten feuertrunken,
Himmlische, dein Heiligtum!
Deine Zauber binden wieder,
Was die Mode streng geteilt;
Alle Menschen werden Brüder,
Wo dein sanfter Flügel weilt.
Wenn der große Wurf gelungen,
Eines Freundes Freund zu sein,
Wer ein holdes Weib errungen,
Mische seinen Jubel ein!
Ja, wer auch nur eine Seele
Sein nennt auf dem Erdenrund!
Und wer’s nie gekonnt, der stehle
Weinend sich aus diesem Bund.
Freude trinken alle Wesen
An den Brüsten der Natur;
Alle Guten, alle Bösen
Folgen ihrer Rosenspur.
Küsse gab sie uns und Reben,
Einen Freund, geprüft im Tod;
Wollust ward dem Wurm gegeben,
Und der Cherub steht vor Gott!
Froh, wie seine Sonnen fliegen,
Durch des Himmels prächt’gen Plan,
Laufet, Brüder, eure Bahn,
Freudig, wie ein Held zum Siegen.
Seid umschlungen, Millionen!
Diesen Kuß der ganzen Welt!
Brüder! überm Sternenzelt
Mußein lieber Vater wohnen.
Ihr stürzt nieder, Millionen?
Ahnest du den Schöpfer, Welt? S
uch’ihn über’m Sternenzelt!
Über Sternen muß er wohnen.
ODE À ALEGRIA
TRADUÇÃO LIVRE DE SAMUEL TITAN JR.[2011]
Ah, meus amigos, outros sons, estes não!
Entoemos outros,
mais agradáveis e felizes!
(LUDWIG VAN BEETHOVEN)
Alegria, bela centelha divina,
filha dos Campos Elíseos,
nós adentramos, ébrios de fogo,
o teu santuário, ó divindade!
Teus sortilégios reúnem
o que os costumes separaram à força;
todos os homens tornam-se irmãos
sob tuas asas protetoras.
Quem teve a ventura
de ser amigo de um amigo,
Quem conquistou uma mulher gentil,
Que se misture a nosso júbilo!
E também quem pode dizer
sua alguma outra alma sobre a terra!
E quem jamais chegou a tanto,
que se retire desta liga aos prantos.
Todas as criaturas sorvem
a alegria dos seios da natureza,
todos os bons, todos os maus,
seguem seu caminho juncado de rosas.
Ela nos deu o beijo e o vinho
e um amigo fiel até a morte;
mesmo ao verme concedeu o gozo da vida,
e o querubim vive diante de Deus!
Felizes como os sóis que correm pela
vastidão gloriosa dos céus,
correi vosso caminho, irmãos,
alegres como um herói rumo à vitória.
Eu vos abraço, ó multidões,
que este beijo chegue ao mundo inteiro!
Irmãos, além do firmamento
Reside um pai bondoso, não há dúvida.
Já pressentes o criador, ó mundo?
Procura-o além do firmamento!
Ele reside além das estrelas,
não há dúvida!
Leia o ensaio "A Era de Beethoven", de Arthur Nestrovski, aqui.